Ocidente como algoz da humanidade

1505248_10205709407162940_7708083513309092857_nO Ocidente secular se faz de culpado: “nossa cultura é intolerante e opressora. Logo, o ódio e o ataque deles — isto é, de todos os que já prejudicamos — é compreensível e, acima de tudo, justificável.” Isto caracteriza o grau máximo de alívio que uma consciência tomada pela “tirania da penitência” pode chegar (expressão de Pascal Bruckner, filósofo francês) em relação a si mesma: experienciar a deflagração de barbárie no seio da própria civilização e ainda conseguir culpar a si mesmo.

O “choque (clash) de civilizações”, formulado pelo cientista político Samuel P. Huntington, compreendia que as identidades culturais – incluem aí sobretudo as religiões – serão as principais fontes de conflito no mundo. Diz Huntington: “a fonte fundamental de conflitos neste mundo novo não será principalmente ideológica ou econômica. As grandes divisões entre a humanidade e a fonte dominante de conflitos será cultural[…]. O choque de civilizações dominará a política global. As falhas geológicas entre civilizações serão as frentes de combate do futuro”.

Isso significa o seguinte: os conflitos não são dados por lutas de classes, ou seja, a premissa básica da dinâmica da história não é material, mas simbólica. O Ocidente secularizado não resistirá à força dessa dinâmica, pois esvaziou os seus símbolos. A razão disse não é tão simples: os valores que sustentam a identidade de uma civilização derivam de uma experiência profunda de participação no reino dos fins. Esses valores são fundamentados, portanto, na própria consciência de experiência histórica, o que chamamos, em geral, de “tradição”, como sagrada. Qual, afinal, é o significado de sermos “ocidentais”?

Uma das marcas do ocidental contemporâneo é o secularismo: esvaziamento radical de todos os símbolos religiosos, isto é, esvaziamento da própria experiência de narrativa da nossa história como sagrada. Uma cultura secular não consegue sustentar seus valores mais caros: liberdade, irredutibilidade da dignidade da pessoa, o direito à vida, justiça etc, já que todos eles foram reduzidos ao palavrório vazio do reino das realizações imediatas.

A noção de “tolerância”, cara à nossa cultura secular moderna, não traz em si a solução para um paradoxo simples que ela mesmo gera: “mas e se o outro não aceitar a tolerância como premissa mínima ao fundamento de uma ‘nova ordem civilizatória’?” O atual atentado à sede da Charlie Hebdo é só mais uma prova de que o Ocidente definha por ter “optado” em reconhecer a sua própria tradição como o grande algoz da humanidade. O resultado disso não será nossa a redenção, mas o nosso ocaso.

Por Francisco Razzo: https://www.facebook.com/notes/francisco-razzo/ocidente-como-algoz-da-humanidade/10205709403722854?pnref=story

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