Notas sobre a Tradução de Jo. 1,1

jo.1.1cIntrodução

“No principio era o Verbo, e o verbo era um deus…” João 1:1 – Versão Novo Mundo

A leitura das Testemunhas de Jeová às escrituras é cheia de pressupostos, tendo como paradigma as interpretações “trazidas à tona” por Charles Russel (Fundador da seita).

Uma leitura correta das escrituras sem pressupostos é quase que impossível, e alguns destes (pressupostos, tais como inerrância, infalibilidade das escrituras e etc) são imprescindíveis à fé cristã. O que nos resta é averiguar se nossos pressupostos encontram evidências na fonte de nossa fé, as escrituras; que por sua vez é o relato histórico de Deus em meio ao seu povo. O grande problema é quando nossa leitura é em busca de ‘algo’ para evidenciar o nosso pensamento, o que acaba sendo uma eisegese (imposição de um significado ao texto), em contraposição à verdadeira leitura que é exegética a busca de significado no texto.

Notas sobre o trabalho de tradução

A tradução de um texto já em si um exercício de interpretação. Ao trabalharmos com o grego ou com a língua hebraica, antes de qualquer procedimento exegético (o que em si já é um procedimento exegético), devemos traduzir o texto que estamos a analisar. O resultado deste ato é a primeira objetivação de nosso esforço em compreender o texto. Nenhuma tradução substitui o original, mas, quando se traduz, já se fazem opções por interpretações, que podem é claro (traduções), serem modificadas ao longo do trabalho. Comparar à nossa versão com as traduções já existentes pode e é útil para verificarmos a reta compreensão do original, ou como auxílio para evidenciar e superar eventuais impasses.

Há dois tipos de tradução, a saber:

  1. Formal ou literal
  2. Funcional ou dinâmica

Compreendendo a problemática de base: qualquer tradução deve contemplar dois elementos, o significado da frase e sua forma (ou expressão lingüística). A tradução formal preocupa-se em respeitar a forma lingüística original, tudo isto sem deixar de ser compreensível à língua receptora, o resultado é uma tradução pesada e cheia de redundâncias. Um exemplo curioso é este abaixo de 1a Samuel 25:22:

ויאמר שׁמואל החפץ ליהוה בעלות וזבחים כשׁמע בקול יהוה הנה שׁמע מזבח טוב להקשׁיב מחלב אילים׃

A tradução literal seria a seguinte:

“Assim faça Deus aos inimigos de Davi e assim continue, se eu deixar, de tudo o que é dele, até amanhã, UM ‘MIJADOR’ DE MURO”.

Risos à parte, e descontando o silogismo, o problema reside exatamente na expressão: כשׁמע בקול literalmente “mijador de muro”, trata-se de um eufemismo hebraico para “varão, macho”, seja ele homem ou um cão. A opção por traduzir-se por varão é uma adaptatividade à nossa língua e cultura. Exemplos assim se perpetuam por toda a escritura, exigindo do tradutor não somente um conhecimento da língua, mas também de todo o contexto sócio-vivencial.

Por sua vez a tradução funcional visa superar as dificuldades que o leitor hodierno tem em compreender as sagradas escrituras, já que em sua grande maioria os receptores do texto não dispõem de todo este aparato critico. Para eliminar as tensões, modificam-se as estruturas frasais, utilizam-se palavras mais simples e articula idéias de forma a tornar o texto imediatamente ‘compreensível’, o que com isso muitas das vezes rouba-se à significância e impacto original que teve aquelas palavras. Um exemplo deste tipo de tradução é a Bíblia na linguagem de hoje.

Estabelecida estas distinções assim o melhor a fazer é ler o texto original e compará-lo as demais traduções. Dentro da história da igreja, os monofisitas e os russelitas optam pela tradução de João 1:1 como “um deus” .

Entrando em contato com o texto original (Uma síntese exegética)

João 1:1   εν       αρχη         ην        ο      λογος         και       ο     λογος      ην    προς

Em    Principio     era      a      Palavra       e      a     palavra      era    com

 

 τον    θεον        και        θεος        ην     ο        λογος.

o         Deus      e        Deus      era    a      palavra.

Material usado no texto:

Εν No preposição, rege dativo em, no
Αρχη Princípio substantivo dativo sing. feminino princípio
Ην Era verbo 3a pessoa sing. imperf. ind. sou
Ο O artigo  nominativo sing. m. o, a, o
Λογος Verbo substantivo nominativo sing. m. palavra
Και E conjunção e
Ο O artigo  nominativo sing. m. o, a, o
Λογος Verbo substantivo nominativo sing. m. palavra
Ην Estava verbo 3a pessoa sing. imperf. sou
προς Com preposição, rege acusativo com
τον 0 artigo  acusativo sing. m. o, a, o
θεον Deus substantivo acusativo sing. m. Deus
και e* conjunção e
θεος Deus substantivo nominativo sing. m.  Deus
ην Era verbo 3a pessoa sing. imperf. ind. sou
ο O artigo  nominativo sing. m. o, a, o
λογος Verbo substantivo nominativo sing. m. palavra

No versículo acima de João 1:1 – θεος ην ο λογος – (Theós hen ho logos) a ausência do artigo definido mostra que θεος é predicativo (cf. 4:24 – πνευμα ο θεος και τους προσκυνουντας αυτον εν πνευματι και αληθεια δει προσκυνειν [Pneuma ho Theós, kai tous proskynountas auton en pneumati kai aletheia dei proskynein] ). Este predicativo precede o verbo para dar ênfase, indicando progresso no pensamento = ο λογος não só estava com Deus, mas era Deus ( Meyer e Luthard). Só ο λογος (ho logos) pode ser o sujeito, pois na introdução toda, a questão não é, quem é Deus, mas quem é o λογος.(Logos) (Godet)

“Wescott: O predicado está, de um modo enfático, em primeiro lugar. Necessariamente está sem o artigo visto que descreve a natureza do λογος (logos) e não identifica a sua pessoa. Seria puro sabelianismo dizer: ‘o λογος (logos) era o θεος’ (Theós). Assim temos no verso 1º estabelecido o λογος (logos) em seu absoluto eterno ser:

  1. Sua existência: além do tempo;
  2. Sua existência pessoal: em comunhão ativa com Deus;
  3. Sua natureza: Deus em essência”.

Marcus Dods, em seu Expositor’s greek New Testament, in loco: ” O λογος (logos) se distingue de Deus, contudo, θεος ην ο λογος – (Theós hen ho logos) o logos era Deus, quanto a sua natureza divina, não é ‘um deus’, o que ao ouvido de um judeu teria sido abominável, nem ainda idêntico a tudo o que pode ser chamado Deus, porque então, o artigo teria sido inserido (cf. João 3:4)”

θεος ην ο λογος – (Theós hen ho logos) a ausência do artigo definido mostra que θεος (Theós) é predicativo. ην (hen) verbos copulativos (predicativos ou de ligação) — Alguns verbos não têm (ou perdem, em certos contextos) umas significações definidas, no sentido de que não exprimem ações ou processos susceptíveis de serem atribuídos a algo.

Tais verbos contêm uma significação puramente gramatical. Limita-se a transmitir a idéia de que nos estamos a referir a um estado permanente (ser), um estado transitório (estar), permanência de estado (continuar), aparência de estado (parecer), mudança de estado (ficar, vir) e outras semelhantes. No caso do texto de João 1:1 exprime um ‘estado permanente’ já que João quer mostrar em seu texto a co-eternidade do Verbo com Deus Pai, atribuindo também a criação a Jesus o verbo de Deus.

Desse modo, estes verbos necessitam de um complemento especial – θεος – (Theós) que atribua ao predicado um verdadeiro sentido, que permite exprimir efetivamente um estado ou qualidade atribuível ao sujeito.

“Ser” é o único verbo que é usado quase exclusivamente como copulativo. Praticamente, só na linguagem filosófica é utilizado como verbo intransitivo, assumindo o significado de “existir” (O ser é; o não ser não é.). No entanto, vários verbos significativos podem assumir valor copulativo, como é o caso dos já referidos estar, ficar, andar, permanecer, continuar, parecer, vir

Predicativo do sujeito é, portanto, o nome ou expressão equivalente que se associa a um verbo copulativo para lhe atribuir sentido. PREDICATIVO DO SUJEITO é o termo que atribui características ao sujeito por meio de um verbo, no caso do texto em análise João visa demonstrar a divindade do verbo. Não simplesmente um ser divino já que o uso lógico no contexto seria “θειος” (divino), em lugar do substantivo “θεος”. Todo predicado construído com verbo de ligação necessita de predicativo do sujeito. É o termo ou expressão que complementa o sujeito, conferindo-lhe ou um atributo ou uma referência.

O predicativo do sujeito apresenta duas características básicas:

  • acompanha o verbo de ligação;
  • pertence ao predicado nominal

António Gutierres é primeiro-ministro.

Esquematicamente, temos:

Oração

Sujeito + Predicado nominal

Sujeito + Verbo copulativo + Predicativo do sujeito

Antônio Gutierres é primeiro-ministro

Representação do predicativo do sujeito — O predicativo do sujeito pode ser representado por um nome ou sintagma nominal, como no exemplo acima, ou:

por um adjetivo,

O Miguel é inteligente.

por um pronome,

A minha casa é aquela.

por um numeral,

As partes do corpo humano são três.

por um advérbio,

Estou bem.

por uma oração completa.

Amar é ter que pedir perdão

O artigo na língua grega

O professor Dana diz que nada na língua grega é mais “indígena” do que o emprego idiomático do artigo; e o Dr. A. T. Robertson declara que, “o desenvolvimento do artigo grego é um dos fatos mais interessantes na língua humana.”. Era o primitivo pronome demonstrativo, e sempre reteve pouco de sua antiga força demonstrativa – aponta, designa, separa, distingue. Quando se emprega a artigo, o substantivo é definido; quando não se emprega, o substantivo pode ser definido ou indefinido. Embora não me pareça, o grego sempre teve a idéia de definição em detrimento do uso ou não do artigo. O latim não tinha o artigo definido, por isto as traduções nele baseadas (Vulgata), são defeituosas na tradução do artigo grego:

João 1:1“in principio erat Verbum et Verbum erat apud Deum et Deus erat Verbum.”

É essencial esforçarmo-nos para alcançar o ponto de vista grego, nunca devemos falar de “omissão do artigo” , o grego não omitiu o que é diferente em nosso idioma, mas escreveu segundo sua própria índole. Senão há o artigo, é porque não era natural gramaticalmente usá-lo, logo toda a dialética Russelita perde sua validade.

Broadus ensinava que em geral o sujeito tem o artigo, mas o predicativo não o tem. Em 1a João 4:16:

“και ημεις εγνωκαμεν και πεπιστευκαμεν την αγαπην ην εχει ο θεος εν ημιν ο θεος αγαπη εστιν και ο μενων εν τη αγαπη εν τω θεω μενει και ο θεος εν αυτω Aμενει Bμενει” – (Kai hemeis egnokamen kai pepisteukamen ten agapen hen ekei ho Theós en hemin ho Theós ágape estin kai ho menon em te ágape en ho Théos menei kai ho Theós em auto menei).

Deus é amor, mas o amor não é Deus. João 1:1 “A palavra era deidade (ou Deus)”, não “Deus era a palavra” o que se declararia literalmente em monofisismo. Em 1a João 3:4:

“πας ο ποιων την αμαρτιαν και την ανομιαν ποιει και η αμαρτια εστιν η ανομια” (Pás ho poion ten amartian kai ten anomian poiei kai he amartia estin he anomia).

O sujeito e o predicativo são equivalentes. Antes de se optar por esta tradução toda a ocorrência do predicativo nas escrituras devem ser analisados. Um adjetivo sem o artigo geralmente é predicativo. Atos 26:24 “μεγαλη τη φωνη” (megalé thé phoné) significa, não meramente que Festo falou em alta voz, mas que falou em um tom que era forte e exaltado. Em Hebreus 7:24 “ο δε δια το μενειν αυτον εις τον αιωνα απαραβατον εχει την ιερωσυνην” (ho de dia to menein auton heis ton aiona aparabaton ekei then ieposynen) não significa que ele tem o imutável sacerdócio, mas que tem o sacerdócio imutável, perpétuo, “sem sucessor”, como Moffat mui acertadamente traduz. Moulton e Robertson ainda dizem que não entendemos o emprego ou ausência do artigo com nomes próprios no grego. Porém nem por isso devemos concluir que o artigo assim usado fosse sem significado aos ouvidos gregos. Clara é sua força em Atos 19:13: “επεχειρησαν δε τινες Aκαι TSBαπο των περιερχομενων ιουδαιων εξορκιστων ονομαζειν επι τους εχοντας τα πνευματα τα πονηρα το ονομα του κυριου ιησου λεγοντες Aορκιζω TSBορκιζομεν υμας τον ιησουν ον TSBο παυλος κηρυσσει“(Epekeiresan de tines [kai] [apo] ton perierkomenon ioudaion edzopkiston onomadzein epi tous ta pneumata ta ponepra to onoma tou kyrion Iesous legontes [opkidzo] [orkidzomen] hymas ton Iesoun on Paulos keryssei). O demônio aponta, no seu pensamento, para “o Jesus a quem Paulo prega”. κυριου ιησου (Kyriou Iesou) salienta talvez, para os discípulos, a significação etimológica do nome de sue mestre – “o salvador” . No emprego do artigo com χριστος (Kristós) há notável diferença entre os evangelhos, onde ο χριστος era mais um titulo – o Ungido, o Messias –, e as epistolas, onde “ιησους χριστος” (Iesous Kristós) (aparece 39 vezes em Paulo) e “χριστος ιησους”(Kristós Iesous, 58 vezes) parecem ser o nome próprio do filho de Deus.

Usa-se o artigo em grego nos seguintes casos:

a) Com nomes de pessoas ilustres ou geralmente conhecidas

b) Com sentido possessivo e, algumas vezes, com sentido distributivo

c) Com os substantivos acompanhados de um pronome possessivo, se designam um objeto determinado

d) Com adjetivos, advérbios de tempo e de lugar, e com preposições, dando-lhes valor de substantivos

Obs.: O artigo junto as preposições αμι (ami), περι (peri), (com acusativo), μετα (meta) (com genitivo) e συν (syn) (dativo) indica a pessoa com a sua comitiva, ou a própria comitiva.

e) O artigo junta-se também a infinitivos e as orações completas.

f) O artigo faz às vezes de pronome demonstrativo

Omite-se o artigo nos seguintes casos:

a) Com o predicativo do sujeito

b) Em muitos substantivos comuns, como θαλασσα (talassa), o mar; ουρανος (ouranós) céu, πολις (polis) cidade, ημερα (hemera) dia e etc, é comum se omitir o artigo.

Obs.: Em alguns casos chega a modificar o significado:

  • πολλοι, muitos; οι πολλοι, a maior parte;

Segue abaixo algumas traduções para conferência:

ISV (International Standard Version)

João 1:1 In the beginning, the Word existed. The Word was with God, and the Word was God.

ASV (American Standar Version)

In the beginning was the Word, and the Word was with God, and the Word was God.

King James

In the beginning was the Word, and the Word was with God, and the Word was God.

John Nelson Darby

In the beginning was the Word, and the Word was with God, and the Word was God.

Vulgata

in principio erat Verbum et Verbum erat apud Deum et Deus erat Verbum

Weymouth New Testament

In the beginning was the Word, and the Word was with God, and the Word was God.

Young’s Literal Translation

In the beginning was the Word, and the Word was with God, and the Word was God;

João Ferreira de Almeida

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.

Montgomery

In the beginning was the Word, and the Word was face to face with God, and the Word was God.

Murdock

In the beginning, was the Word; and the Word was with God; and the Word was God

Webster

In the beginning was the Word, and the Word was with God, and the Word was God.

Wescot/Hort (Greek New Testament)

εν αρχη ην ο λογος και ο λογος ην προς τον θεον και θεος ην ο λογος

en arké hen ho logos kai ho logos hen prós ton Theon kai Theós hen ho logos.

Não precisamos nem multiplicar os casos, pelo que podemos ver que as traduções são unânimes.

“E o verbo era Deus”, uma verdade insofismável Jesus Deus-homem encarnado

Obras para pesquisa

Introdução ao estudo do novo testamento grego, W. C. Taylor (Ed. Batista Regular)

Gramática Grega, Antonio Freire (Ed. Martins Fontes)

Metodologia de exegese bíblica, Cássio Murilo Dias da Silva (Ed.

Autor: William Edson

 

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