O livro de Judas menciona uma luta na qual o anjo Miguel lutou com Satanás que tentava roubar o corpo de Moisés. O que Satanás tinha em mente? Por que o corpo de Moisés era tão importante? – Por Adriana Polari
O livro bíblico de Judas relata:
“Quando Miguel, o arcanjo, teve uma controvérsia com o Diabo e disputava acerca do corpo de Moisés, não se atreveu a lançar um julgamento contra ele em termos ultrajantes, mas disse: ‘o Senhor te censure.’” (Judas 9)
Embora a carta de Judas seja curta, ela contém informações não encontradas em outra parte na Bíblia. Somente ela menciona a disputa do arcanjo Miguel com o Diabo acerca do corpo de Moisés, e a profecia feita séculos antes por Enoque. (Ju 9, 14, 15) Não se sabe se Judas recebeu estas informações por revelação direta ou por transmissão fidedigna (quer oral, quer escrita). Neste último caso, isto talvez explique a presença de uma referência similar à profecia de Enoque no livro apócrifo de Enoque (que se pensa ter sido escrito provavelmente durante o segundo e o primeiro século a.C.). Uma fonte comum pode ter fornecido a base para a declaração feita tanto na carta inspirada como no livro apócrifo (A assunção de Moisés). O relato da Assunção de Moisés conta o seguinte: a estranha história da morte de Moisés é relatada em Deuteronômio 34,1-6. A Assunção de Moisés agrega a esse relato a história posterior de como o corpo de Moisés foi entregue ao arcanjo Miguel para lhe dar sepultura. Então o diabo disputa com Miguel pelo corpo de Moisés. Baseava sua pretensão fundamentalmente em dois motivos. Primeiro, o corpo de Moisés era matéria; a matéria é má e, portanto, o corpo de Moisés lhe pertence, visto que a matéria é seu domínio. Segundo, Moisés era um assassino, pois acaso não tinha dado morte ao egípcio a quem viu castigar os hebreus? (Êxodo 2,11-12). E se Moisés tinha sido assassino, o diabo tinha direito a reclamar seu corpo.
Várias teorias têm sido formuladas quanto ao que foi esta luta sobre o corpo de Moisés. Uma delas é que Satanás, sempre o acusador do povo de Deus (Apocalipse 12,10), pode ter resistido à elevação de Moisés para a vida eterna em razão do pecado de Moisés em Meribá (Deuteronômio 32,51) E seu assassinato do egípcio (Êxodo 2,12).
Agora, o ponto que Judas assinala é este: Miguel era um arcanjo; o diabo era o diabo; Miguel estava empenhado numa tarefa que Deus lhe tinha encarregado; o demônio procurou impedir-lo dizendo que não tinha direito algum. Mas até em tais circunstâncias Miguel não falou nada mau do diabo, nem proferiu nenhuma acusação contra ele, mas sim lhe disse, simplesmente: “O Senhor te repreenda!” O que Judas quer destacar é que, se o maior dos anjos bons não quis dizer nada mau contra o maior dos anjos maus, até em circunstâncias como essas, então certamente nenhum homem pode falar mal de nenhum anjo.
Note como Miguel agiu nessa disputa com Satanás. O relato de Judas não diz o que Satanás queria fazer com o corpo de Moisés, mas podemos ter certeza de que suas intenções não eram boas. Talvez ele quisesse usar os restos mortais daquele homem fiel para promover a adoração falsa. Miguel frustrou a trama perversa de Satanás, mas também demonstrou notável autocontrole. Aquele anjo mau certamente merecia ser censurado mas Miguel reconheceu que apenas Deus podia julgar Satanás. (João 5,22) Como arcanjo, Miguel tinha muita autoridade. Mesmo assim, ele humildemente se submeteu a Deus em vez de tentar apoderar-se de mais autoridade. Além de humildade ele demonstrou modéstia, ou seja, reconheceu suas limitações.
Judas cita um exemplo de alguém que respeitou a autoridade devidamente constituída. Este relato fascinante, exclusivo de Judas nas Escrituras, ensina duas lições distintas. Por um lado, ensina-nos a deixar o julgamento entregue a Deus. Satanás evidentemente queria fazer mau uso do cadáver do homem fiel Moisés, para promover uma adoração pagã. Como isso era iníquo! No entanto, Miguel refreou-se humildemente de expressar um julgamento, porque somente Deus tinha tal autoridade. Então, quanto mais devemos nós refrear-nos de julgar homens fiéis, que procuram servir a Deus.
Judas foi inspirado a escrever sobre esse incidente por um motivo: infelizmente, alguns cristãos na época de Judas não eram humildes. Eles arrogantemente ‘falavam de modo ultrajante de todas as coisas que realmente não conheciam’. (Judas 10) Para nós, humanos imperfeitos, é muito fácil ser vencidos pelo orgulho. Como agimos quando não entendemos algo que é feito na Igreja, talvez envolvendo alguma decisão dos bispos? Se começarmos a falar de modo negativo, crítico, apesar de não ser possível saber de todos os fatos envolvidos nas decisões, não estaremos demonstrando falta de humildade? Em vez de agir assim, imitemos Miguel, não julgando assuntos que Deus não nos deu autoridade para julgar.
Miguel tem de travar a luta vitoriosa contra Satanás por incumbência do Senhor (Ap 12,7-9). Por isso é tanto mais significativo que Miguel, na ocasião passada em que disputava o corpo de Moisés, não se dirigiu ao diabo com uma sentença blasfemadora, mas deixou a “repreensão” totalmente por conta do Senhor, que como repreensão divina possui máxima eficácia (Sl 18.15; 104,7; 106,9) e por isso também pode ser traduzido por “punir”. Como, então, seres humanos ousariam blasfemar glórias, ainda que sejam caídas e hostis a Deus? A moral que Judas aponta é que Miguel mostrou reservas até mesmo em seu relacionamento com o diabo, enquanto os falsos mestres não exibiam reverência por qualquer autoridade.
Não sabemos o que teriam dito sobre os anjos aqueles homens aos quais atacava Judas. Talvez dissessem que os anjos não existiam, ou que eram maus e estavam a serviço do deus mau. Esta é uma passagem que, sem dúvida, significa muito pouco para nós, mas que, da mesma maneira, para não duvidar disso, configuraria um poderoso argumento contra aqueles aos quais Judas se dirigiu.