Dr. William Lane Craig responde: Dilema de Eutífron (É bom porque Deus quer ou Deus quer porque é bom?)

CraigPergunta: Olá, Dr. Craig. Eu tenho me perguntado ultimamente se você pode gastar algum tempo me ajudando a resolver alguns problemas. Eu estive lidando com o Dilema de Eutífron. Como você sabe, o Dilema consiste numa pergunta parecida com:

“Isso é bom porque Deus aprova, ou Deus aprova por ser bom?

Agora, o teísta não vai querer dizer que a “Bondade” é boa simplesmente porque Deus a aprova, já que isso faria a moralidade ser arbitrária (chame isso de “Opção A”). Também não vai querer dizer que Deus aprova a Bondade porque ela é, de fato, boa, porque isso pareceria levar à conclusão da existência de padrões de bondade fora de Deus (chame isso de “Opção B”.)

Então, o teísta pode tentar quebrar o dilema entre escolher “A” e “B”, criando uma terceira opção que é: Deus é necessariamente bom, e a fonte e o padrão de Bondade são a própria natureza de Deus. Por um lado, isso evita a “Opção B”, já que Bondade, ao invés de existir fora de Deus, é parte da própria natureza Dele (e depende, na realidade, da Sua existência para existir também). E, ainda por outro lado, também evita a “Opção A”, já que as vontades de Deus não são arbitrárias, mas, ao invés disso, operam de acordam com um padrão absoluto de moral (i.e. a natureza necessariamente boa de Deus).

Mas parece que, agora, o ateu pode reformular em um novo dilema:

“É a natureza de Deus boa porque aconteceu na maneira de Deus ser, ou é boa porque corresponde a algum padrão externo de Bondade?”

Parece-me que a resposta para o Dilema reformulado envolve alguma coisa como a afirmação que a natureza de Deus não poderia ser nada além de boa – i.e. que a natureza de Deus não simplesmente “aconteceu” de ser de uma certa maneira. Mas eu não tenho certeza do que significa dizer isso, visto que, a menos que nós tenhamos uma concepção de Bondade externamente a Deus, isso não parece importar muito, no sentido que não parece sobrar lugar para colocar qualquer restrição na natureza de Deus. Eu suspeito que o conceito de mundos possíveis [¹] possa ajudar aqui. Mas eu não tenho certeza como ou por que. Minha sugestão para um argumento seria algo como isso:

  • (1) Deus é, por definição, um ser maximamente notável;
  • (2) Isso implica em Ele ser metafisicamente necessário e moralmente perfeito.
  • (3) Logo, por (2), Deus existe em todos os mundos possíveis.
  • (4) Mas, se valores morais são objetivos, a perfeição moral representa (ou pelo menos, tende a) um único, máximo conjunto de valores morais.
  • (5) Então, por (1), (3) & (4), segue que Deus tem o mesmo padrão moral em todos os mundos possíveis.
  • (6) Logo, a natureza de Deus é boa nem pelo modo que ele “veio” a ser, tampouco por corresponder a um padrão externo de moralidade.

—o que responde o Dilema reformulado.

Isso parece OK para mim. Mas eu não estou convencido de (4). Eu também estou preocupado que eu tenho ido longe demais com isso e tenha começado a falar besteira nesse ponto. Parece que eu estou andando em círculos na minha cabeça. Se você puder explicar de forma clara e simples para mim, eu seria extremamente grato.

James

  • Craig responde:

Eu penso que sua intuição acertou o alvo, James! O argumento que você deu simplesmente precisa de alguns ajustes.

Quanto o ateu diz “A natureza de Deus é boa porque “aconteceu” na maneira de Deus ser, ou é boa porque corresponde a algum padrão externo de Bondade?”, a segunda opção do Dilema não apresenta nada novo – é a mesma que a segunda opção do Dilema original, ou seja, que Deus aprova alguma coisa por ser boa, e nós já rejeitamos isso. Então a questão se nós estamos presos na primeira opção do Dilema. Bom, se o “aconteceu de ser” que o ateu se refere significa ser uma propriedade contingente de Deus, então a resposta óbvia é “Não”. A natureza moral de Deus é essencial a Ele; foi por isso que nós dissemos que era parte de Sua natureza. Dizer que uma propriedade é essencial a Deus significa dizer que não há nenhum mundo possível em que Deus exista e não tenha essa propriedade. Deus não “aconteceu de ser”, por acidente, amoroso, bondoso, justo e por aí vai. Ele é dessa forma essencialmente.

Você não precisa se preocupar com “o que significa dizer que, a menos que nós tenhamos uma concepção de Bondade externamente a Deus, isso não parece importar muito”. Pois isso é confundir ontologia moral com semântica moral. Nossa questão é com é ontologia moral, isto é, o fundamento na realidade dos valores moral. Nossa questão não é com semântica moral, isto é, o significado dos termos morais. O teísta está pronto para responder que nós temos um entendimento claro do vocabulário moral como “bom”, “mau”, “certo”, e assim vai, sem fazer referência para Deus. Dessa maneira, é instrutivo aprender que “Deus é essencialmente bom”. Muito frequentemente os opositores do Argumental Moral lançam ataques confundindo ontologia moral tanto com semântica moral com, ainda com mais frequência, epistemologia moral.

Se nos perguntarem por que Deus é o paradigma e o padrão da Bondade moral, então eu penso que a premissa (1) de seu argumento responde à questão. Deus é maior ser que pode ser concebido, e é maior ser concebido como o paradigma do valor moral que corresponder a ele. Sua premissa (2) também é verdadeira, que é por que Deus pode servir para o fundamento das verdades morais necessárias, i.e., verdades morais que são em qualquer mundo possível. Eu não tenho certeza do que você queria dizer com a premissa (4); mas eu penso que é dispensável. Tudo que você precisa dizer é que os valores morais (ou pelo menos a maioria deles) não são contingentes, mas existentes em todos os mundos possíveis. Então Deus será a base desses valores em todos os mundos possíveis. Isso parece, a mim, resolver o problema. Bem distante de estar falando besteira, parece-me que você nos dirigiu exatamente para a resposta correta!

***

Link para o original: http://www.reasonablefaith.org/site/News2?page=NewsArticle&id=6063

  1. O conceito de mundos possíveis está bastante relacionado com a obra de Alvin Plantinga. Basicamente, se refere a um conjunto de coisas possíveis que poderiam ou não ser diferentes. Por exemplo: existe um mundo possível onde você está lendo esse post com um chapéu, óculos escuros e bigode falso – embora ele possa não se atualizar. Já A sentença “2 + 2 = 4″ é necessariamente verdadeira (não os signos, mas os conceitos abstratos) em qualquer lugar que seja proposta.

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