Criação a partir do nada: ideia coerente?

ÍndiceAlgo pode ser criado a partir do nada? Parece que não. Esse argumento foi oferecido por Shrek (sim, Shrek) em um debate no site Teismo.net e também, em uma versão semelhante, pelo ateu anarquista Sebastian Faure. Segundo pessoas como eles, se bem os entendi, a ideia de criação “ex nihilo” é irracional e incoerente. Logo, Deus não pode ter criado nem a matéria nem coisa alguma.

Antes de tudo, existem dois sentidos bastante diferentes que “criação a partir do nada” pode ter. O primeiro é algo que surge a partir do nada absoluto – outra é de uma quantidade que não existia e foi “adicionada” por alguém ou algo no mundo. No primeiro caso, temos um surgimento a partir do “não-ser”. No segundo caso, uma substância causa uma outra substância inteiramente nova à existência. Aceitar o primeiro caso seria negar o Princípio da Razão Suficiente e de forma alguma eu estou preparado para sustentar essa afirmação. Mas o segundo caso é passível de defesa.

A ideia que está por trás do poder causal de um ser que é onipotente é a possibilidade lógica. [1] Aqui, a possibilidade de qual falo não é a mesma que utilizamos para dizer que seres humanos não podem nadar o Atlântico em 5 minutos, por exemplo, ou que porcos não podem gerar asas para si (possibilidade física). Ao afirmar que algo é possível logicamente, isso é significa que a negação dessa ideia não é (e nem decorre de) nenhuma verdade necessária da lógica. Por exemplo:

  • (1) ‘A’ não é vermelho;

(1) é possível. Não  é necessário que algo seja vermelho. Assim, é possível que algo não o seja. Por outro lado, não é possível que:

  • (2) ‘A’ não é idêntico consigo mesmo;

Afirmar (2) seria negar a Lei da Identidade – uma lei cuja nenhuma mais correta pode ser concebida. Logo, (2) não é possível.

E a criação ex nihilo, então, é possível? Eu diria que sim. É facilmente concebível – do ponto de vista lógico – que um dia eu acorde e me encontre com o poder de causar coisas que não existiam para a existência sem que elas sejam meras transformações de materiais já existentes. Eu poderia ser um pintor que, cada vez que meu pote de vermelho ou de azul acabasse, simplesmente fechasse os olhos e pensasse: “Que o pote de tinta fique cheio novamente”. Um microssegundo depois de um terminar meu pensamento, eu abro os olhos e vejo que a tinta está cheia de novo. Eu poderia também fechar os olhos e pensar: “Na próxima vez que abrir os olhos, terei um sexto dedo”. Ao abrir os olhos, veria que o dedo está lá. Vários testes poderiam ser feitos (como selar meu atelier, garantindo que nada entrou nem saiu durante a execução do ato e medir a quantidade de massa e energia antes e depois do teste) para garantir que esse material é inteiramente novo e não é uma mera transformação do que já existia dentro do meu estúdio. Não há nenhuma contradição lógica ao contarmos uma história como essa. Logo, ainda que os seres humanos não tenham o poder de causar algo ex nihilo, essa é uma ação perfeitamente concebível. E se é possível do ponto de vista lógico, então um ser onipotente poderia fazê-la.

De qualquer forma, esse argumento não seria necessariamente um problema para a crença em Deus, mas somente para uma doutrina de criação ex nihilo. Mas nem sequer como uma objeção a essa doutrina ele funciona. Dessa forma, concluo que o argumento da impossibilidade dessa ação está refutado.

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